sexta-feira, 16 de março de 2012

A Parábola do meteorito + Canção 30 Dinheiros



Fotos da autoria do meu amigo Filipe Seco, do tempo em que resolvemos participar numa mostra de arte louzanense.



A Parábola do meteorito



Toda a cidade havia sido evacuada.
Vagarosamente, no seio da multidão que circundava o concelho, arrastava-se um vulto de feições cadavéricas e precocemente envelhecidas. Alienado pelo desgaste insone do pensamento descontínuo observava o Nada, aquele nada que habita no ponto de fuga do infinito e das memórias dissociadas da lógica e da realidade.

Faltavam ainda algumas horas para a queda do meteorito, o que dava ao fotógrafo tempo suficiente para ir buscar o seu equipamento e tentar iludir a barreira humana formada pelas autoridades, autoridades estas que impediam os mais curiosos ou inconscientes de invadir o perímetro onde a formação rochosa de maiores dimensões e os consequentes detritos fariam a sua aparição.
Não havia motivo para alarme, toda a população estava fora da área de colisão e o máximo que aquele cósmico projéctil poderia fazer, seria provocar alguns danos materiais.
Segundo a informação de vários jornais, o meteorito atingiria a rotunda principal da cidade, a câmara municipal e dois bancos que ficavam mesmo ao lado. Era caso para pensar que esta obra do acaso se tratava de um atentado terrorista alienígena, não fosse o facto da existência ou não daquele conglomerado populacional em nada influenciar o resto do país.
Como havia sido fácil iludir a polícia e os militares.
Faltavam agora alguns minutos para que o meteorito cruzasse os céus e desenhasse no solo a circular cratera que poria um ponto final à sua elíptica viagem.
O homem sorria. Esta iria ser a fotografia da sua vida, que lhe traria a morte e quiçá a imortalidade. Iria vencer derradeiramente duas contendas, a luta incessante pela realização pessoal e a luta contra a inexistência. Ajustou o emissor que transmitiria a imagem para o seu PC e posteriormente para a pasta pessoal do jornal onde trabalhava. Correu para o meio da rotunda, fixou o tripé, ajustou a objectiva, verificando que os helicópteros das estações televisivas já haviam notado a sua presença. A rocha trespassava agora, como uma estrela iridiscente, a camada superior da atmosfera terrestre. O homem não pensava na morte, apenas na glória de vencer. Controlando a descarga de adrenalina que se dava no seu corpo, suprimiu o instinto de fuga e fixou os pés no solo, o que lho proporcionava uma posição de maior equilíbrio. A massa incandescente tornava-se cada vez maior, quando um caça cheio de explosivos, que um velho coronel que perdera a razão havia desviado, foi embater violentamente naquela partícula de cosmos reduzindo-a uma chuva celestial, a um fogo-de-artifício de um Carnaval qualquer.
As pequenas partículas começaram a cair no solo. O homem ficou estático observando tudo à sua volta.
A primeira pedra que o atingiu rasgou-lhe a camisa e o peito, o que o prostrou no solo em agonia. “Esta ferida nunca irá cicatrizar devidamente” – pensou. Levantou-se sendo atingido por várias pedras como se Evander holyfield, Mike Tyson e toda a pandilha de desenhos animados manga o sovassem ao mesmo tempo. Sentiu que o tempo se havia estagnado, como se os intervalos entre cada pedra que o atingia durassem um dia de sua existência. Cada vez que era derrubado erguia-se novamente como uma besta agonizante e fétida que se recusava a morrer e exasperava em raiva toda a frustração da derrota, tornando lenta e humilhante a capitulação que ele planeara como honrosa e heróica. Agrilhoado á vontade de estar de pé e de se manter na posição vertical ia permitindo que aquelas aves sem vida, abutres de um homem vivo, lhe fossem devorando aos poucos o corpo e o espírito, que ao ser mutilado se regenerava a cada momento dando-lhe forças para se levantar novamente. Gastou as últimas que tinha, não na procura de abrigo, mas sim dirigindo-se para a câmara fotográfica com o objectivo de conseguir uma sublime imagem daquela maravilhosa chuva de fogo que inundava os céus com a magnificência do mais momentâneo momento e da mais eterna eternidade. Quando um pequeno siderólito o atingiu na nuca dilacerando o seu tronco cerebral, o homem sentiu-se mais perto do que nunca de qualquer ser humano, animal ou vegetal que já alguma vez havia existido; sentiu-se uma chama levitante que se fundia com um planeta-magma, com uma chuva etílica ou com um dia de sol. Dirigiu-se mais uma vez até à câmara fotográfica deixando para trás de si as grades de uma prisão.

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