segunda-feira, 30 de julho de 2012

O Licor


Enrugaram-se meus ossos e minha pele tornou-se esponjosa, na fatigante busca do elixir. Uma taça surgiu no horizonte, permanecendo lá, mas sempre inatingível. Era uma miragem!
         O nosso comandante havia bebido todo o rum, porém continuava a dar ordens sensatas. “Lançai a âncora!”
         E Alá apareceu num oásis que não existia. Bebeu o doce licor materializando a miragem num sonho ateu.
         Odaliscas bamboleavam o ventre despido e ligeiramente desenvolvido, exalando odores parecidos com o cheiro a grãos de café dos lupanares de Marrocos. Lembro-me de quando lá vivi... Comia fruta fresca e bebia vinho de amora. Contribuía para a produção do “secretliqueur”, extraindo toda a frutose doa abacates recém colhidos e adicionando-lhe leite de cabra, adicionando, em seguida, à mistura, extracto de absinto e etanol sifilítico.
         Rezava a lenda que um conjunto de donzelas provenientes da mais elevada casta social local, dançavam nuas à luz do luar e de uma fogueira amistosa; no solstício outonal, quando descobriram pela primeira vez a receita.
         O extracto era colhido por suas mãos em concha, sendo posteriormente depositado num largo recipiente onde jaziam amoras silvestres, alperces, figos e leite de cabra, sendo a mistura esmagada pelos corpos nus das ninfas até a mistura começar a fermentar. Posteriormente, o preparado era destilado sob o atento olhar de dois xamãs que haviam  chegado devido ao naufrágio do navio negreiro que os havia capturado. Os dois xamãs olhavam atentamente a mistura, entrando num transe quase mortal.
         Reza ainda a lenda que uma das virgens se apaixonou pelo mais poderoso rei da região, beijando-o loucamente, na cerimónia. O monarca, devido ao seu estatuto, repudiou-a e ordenou o seu exílio. Sentindo o desprezo que povoava o olhar de seu amado, a princesa, mutilou-se repetidamente com um dente de tigre caindo no recipiente onde descansava a mistura. Seu sangue fundiu-se, numa osmose etílica, com a bebida; Tendo sido esta uma das colheitas mais apreciada pelo rei.
         Eu acredito que tenha sido verdade.
         O nome era “secretliqueur”, em tempos foi amor, até que um ditador francês assassinou uma bela princesa que passeava num desses bosques que há pelo deserto e matou todo o povo marroquino de desgosto. Terá sido este o ano em que nasceu a humanidade?
         Encontrámos  a primeira miragem do elixir num sonho ébrio desse licor: era azulado e ao mesmo tempo um gás incolor de solidez fascinante, seu coeso mistério mitocondrial e pulsante cobria-nos de medo e cada gesto era pensado , cada ideia inconclusiva.
         Uma odalisca acariciou-se, beijou-me no canto da boca e sugeriu-me  a direcção nordeste. Era meia-noite quando chegámos a um ponto que nunca poderia existir no sistema cartesiano. Experimentámos o fellatio mental da última gota do licor e a esfinge ao longe sorriu-nos, mostrando-nos cumplicemente a resposta a todos os seus enigmas.
         «Meus amigos» - disse eu - «Meu comandante, chegámos a bom porto!» e eis que surgiu em minha mão o tão afamado Graal, transbordando o tão ansiado elixir feito de vácuo. Preparei-me para bebê-lo, contemplando com um ar sereno e terno todos os meus amigos!
         No dia seguinte acordei sozinho suando a mansarda de meus pensamentos.




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