A noite não estava como aquelas palavras bonitas do poeta.
Havia cais e ventania, havia rosto inerme na laje descontente e fria.
Um cão rodeava a cama de cartão do seu dono de tom peltre e sem paz,
E uma garrafa de bourbon desabitada em cacos se despira.
A luz de um farol deixava antever as lágrimas das nuvens,
Primeiro em lençóis humedecidos, picotados e transparentes,
Depois no gemido irracional da lealdade e do faro que protege,
No pressentimento que aquele era um beco de frio permanente.
"Veio-lhe à distância o odor de laranjas,
Sorriu para o pai e subiu às árvores da quinta velha,
O irmão ao longe assobiou com uma vara com peixe pendurado,
Espremeu a fruta e bebeu, mas o peixe que comeu era de tez sanguina.
De carmesim, de tons de âmbar e fogo era o fim do dia,
A mãe lavava a sua nudez de pequeno
Ao forno de lenha, numa bacia, e com o irmão enternecia.
Mas a fruta; a água; o peixe; a pele; eram veneno."
Chove há muito no cais de lama e cama humana,
Só o cão se ouve, se entrega à dor, só ele lamenta,
Perdera por ali a sua cruz, luz e companhia,
Na noite que não estava como aquelas palavras bonitas do poeta.
Óscar Dinis
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