sábado, 19 de maio de 2012

Rasgo de Insanidade - Parte II



A existência esgota-se na anomia dos momentos e na permanência de toda a fugacidade que negligentemente infecta a renascença cerebral do fleumático sangue.

Imagino que o presente existe, composto por segmentos não lineares do tempo e persisto neste pensamento.

Vagueio pela madrugada fora e trespasso a noite como se sangrasse meu próprio purulento coração com o punhal da divagação incoerente. Anestesio-me pelos sons longínquos e pelo pulsar da escuridão. A poeira humedecida pelo limbo da humidade fustiga-me os lábios e mata a sede que já não tenho. Urina, incenso e pão acabado de confeccionar emprestam ao ar seus odores de etílicos que me desinfectam a mente e o corpo que se translada agora para as catacumbas da acalmia insone.

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A mente dirigia-se para locais incertos, indefinidos como a certeza da existência da excrescência granítica que me calcinava o raciocínio e me perturbava a vontade.

A estrada evaporava no vento gélido da noite e as árvores eram silhuetas, braços estendidos ao alto, clamando por uma divindade, por uma transcendência, por uma osmose com os céus e com a terra e com os vultos negros e luminosos dos automóveis, que durante lapsos temporais me traziam de volta à crueza do mundo material.


O transe de ritmos que simulam o cardíaco e o circadiano paralelamente, melodias que se encontram e fazem prescrever o crime de amar; mortos que nos aconselham e mais uma vez o ódio a esta pele, nosso verdadeiro eu, que nos impede de abraçar o oxigénio que mais poderia ser gás inerte ou um frasco de éter numa qualquer faculdade de medicina. As articulações emitem sons sincopados em simbiose com a morte sempre presente por motivos indeterminados. O timbre do infinito acrescenta ao tédio do frenetismo interminável uma ondulação hormonal que faz lembrar a ausência de desejo, característica das depressões nervosas, bem como do consumo abusivo de determinado tipo de opiáceos.

Violência não concretizada e magma na alma, istmos de incoerência, discrepâncias de sentidos, intolerâncias visuais, o meu odor nauseabundo e horas e horas e minutos e tempo que flui no vazio de não querer estar aqui ou no aqui que existe quando não estou aqui. Aqui! Onde o Corpo - Pedra está.

A escatófaga epiderme assimila o fumo do ar e assume o seu odor como forma de ser dificilmente identificável no seio da harmoniosa pessoa-humanidade que é o conglomerado de vazios; buracos espaço-temporais, sem paixão, sem vontade, sem insanas reacções nucleares, sem cisões atómicas no espírito, sem reagentes do eu. Simplesmente toalhas absorventes e perfumadas que se podem encontrar em qualquer hipermercado.

Ainda não. Ainda não é hora de explodir num último grito e regurgitar todo o saque que fizemos na nossa última investida aos navios fantasma que povoam mares inavegáveis devido aos recifes de coral que emergem de milha em milha e submergem a medo, para nos fazer lembrar a nossa própria covardia; covardia esta sempre camuflada por grandes feitos e constantes blasfémias e desafios ao fim, frequentes desafios à casa-máquina-prisão que nos restringe a quem somos.

Crucificar o amor para que ele nos sobreviva. Esquecer a ilusão para que ela nos enlouqueça, perverter a sanidade para que ela nos abandone.

Divagações semi-oníricas sem significado aparente contaminam a vigília e o sono ausente acompanha todo o meu dia.

Sentir novamente a presença. A névoa esvai-se como o sangue que flui numa erupção de sentidos.

Niágara desagua em mim, cascatas de estalactites trespassam minhas omoplatas e sinto um frio molhado em todos os meus poros. Minhas circunvoluções cerebrais mudam radicalmente de sentido e eu sinto-as mudar.


Palmilho esta cidade que não é minha, acompanhado pelo deslumbramento de minha solidão; aquela solidão penosa e prazenteira que só os verdadeiros homens conhecem. Reconheço nas curvas sinuosas das ruas trilhos secretos que sei já ter percorrido, embalado por qualquer sentimento que não este, num qualquer momento que não o presente, sendo o passo seguinte o limite do futuro.

E procuro!

Tenho a sensação de que tudo se perdeu algures num tempo inexistente, num delírio qualquer de um louco ébrio que caminha, apenas porque o pânico o impele a fugir de um monstro inexistente.

Vivo no olhar vazio de alguém que ouve minhas palavras e no silêncio frio desta noite que não me ama. Morro na chama da confusão que me impede de reordenar as estrelas e formar minhas próprias constelações, alfabetos intergalácticos, símbolos matemáticos de sensual solidez arrepiante. Perco-me nas ondas fosforescentes que rebentam contra meu corpo e na iridiscência orgástica que percorre minha pele com seus dedos mecânicos e inorgânicos, fustigantes como as mãos de mil amantes adoradas, como fadas ofegantes que me trucidam numa estrada, feitas de carne e de nada.


Sou agora hospedeiro das gotas de nevoeiro, das ruas desertas, povoadas por frases incertas, proferidas por fantasmas inacabados.






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